Juiz de Direito em Campina
Grande-PB, o confrade fala
sobre a influência do conhecimento espírita sobre
o aprimoramento das leis do país
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Kéops Vasconcelos (foto),
natural de Bom Conselho-PE e atualmente residente em Campina Grande-PB, é Juiz
de Direito. Espírita desde 1996, vincula-se, no meio espírita, ao NEDE – Núcleo
de Estudos da Doutrina Espírita como Diretor Executivo; à AME-CG – Associação
Municipal Espírita de Campina Grande-PB como Diretor Adjunto, e à ABRAME –
Associação Brasileira de Magistrados Espíritas como Delegado Seccional na
Paraíba, além de integrar a Comissão de Acompanhamento Legislativo da Federação
Espírita Brasileira.
Na entrevista que nos concedeu,
nosso
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entrevistado apresenta
considerações expressivas sobre o Direito e suas conexões com o Evangelho, com o
Espiritismo e com o progresso da Humanidade.
Comente sobre o
movimento espírita organizado pela Associação dos Magistrados Espíritas em seu
Estado
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Desde que assumimos
a Delegacia Seccional da ABRAME na Paraíba, em 2005, passamos a organizar
palestras de cunho espírita no Fórum de Campina Grande, mensalmente. No início,
de forma tímida, com a participação de alguns poucos servidores espíritas, mas
hoje sempre com a participação efetiva e destacada de dezenas (e às vezes
centenas) de pessoas, entre magistrados, advogados e a comunidade espírita
local. Também realizamos em 2010 o I Encontro Regional de Magistrados Espíritas,
com o tema "Diálogo Entre Justiça e Sociedade", com enorme aceitação e
participação, o que nos motivou a organizar o II Encontro, nos próximos dias 18
e 19 de maio, com o tema central "Justiça em Transição". A finalidade maior é a
humanização da Justiça, a partir da espiritualização de seus juízes.
Nacionalmente
considerando, como está a expansão e organização dessas
atividades?
Em vários Estados,
as Delegacias Seccionais da ABRAME vêm também buscando realizar palestras no
ambiente forense, a exemplo de Minas Gerais, Bahia e Goiás. Ao mesmo tempo,
também são organizados em alguns locais grupos de estudos da Doutrina Espírita.
Hoje, a ABRAME conta com mais de 700 magistrados associados, dentre juízes de
Direito, juízes do trabalho, juízes federais, desembargadores e ministros de
tribunais superiores. Com a recente fundação da Associação Jurídico-Espírita do
Brasil - AJE, congregando diversos outros atores da cena jurídica, como
advogados, promotores de justiça, procuradores e delegados, creio que iremos
somar esforços no sentido da ampliação das atividades nos Estados, sempre
buscando uma maior divulgação da Doutrina no segmento jurídico.
O pensamento espírita
atraiu grande número de acadêmicos, nas diferentes áreas. Especificamente na
área do Direito, o que mais conquista ou chama atenção nos conteúdos
doutrinários espíritas?
Como professor
universitário, nunca tive receio de, sempre que oportuno, transmitir aos alunos
conceitos ajustados à ética espírita. Como não fazê-lo, nas ocasiões em que se
debate em sala de aula acerca da pena de morte, do aborto, da eutanásia, da
anencefalia? Sem nenhuma preocupação com o proselitismo, é interessante perceber
que ao longo dos anos inúmeros foram os alunos e ex-alunos que, a partir dessas
conversas, se interessaram pela Doutrina e passaram a estudar e participar
efetivamente do Movimento Espírita. Inúmeros também são os acadêmicos de Direito
que têm comparecido ao Fórum para assistir às palestras promovidas pela
ABRAME. Considerando que uma das leis morais destacadas em “O Livro dos
Espíritos” (capítulo XI) é a lei de justiça, de amor e de caridade, é natural
que o pensamento espírita permeie a atividade jurídica, pois a justiça dos
homens está irremediavelmente influenciada pela justiça divina, embora ainda
imperfeita e ocasionalmente injusta, devido às limitações humanas.
Considera que
atualmente o pensamento espírita já influencia a legislação, a atuação e as
decisões em julgamentos em nosso país?
Costumo dizer que o
magistrado, por ser espírita, não é, só por isso, melhor ou mais justo do que os
magistrados não-espíritas. Todavia, quanto mais se conhece e se aprofunda no
conhecimento doutrinário, especialmente da lei de causa e efeito, aumenta-nos a
responsabilidade em buscarmos ajustar a nossa conduta, inclusive na atividade
judicante, às leis morais do Cristo. A própria FEB, sensível à necessidade de
aperfeiçoamento das leis brasileiras, acabou de constituir uma Comissão de
Acompanhamento Legislativo, a qual tenho a honra de integrar, com a finalidade
precípua de acompanhar a tramitação de projetos de lei e de emendas à
Constituição que tratem de temas relevantes e que de algum modo possam vir a
interferir na nossa elevação espiritual, tais como as que tratam do estatuto do
nascituro, do aborto, da pena de morte, da eutanásia, da descriminalização do
uso de entorpecentes etc. A intenção é não apenas acompanhar, mas intervir,
quando oportuno e necessário, no sentido de aprimorar a elaboração dessas leis
ou, se for o caso, evitar que sejam aprovadas e entrem em vigor.
Nos demais países,
pelo menos nos mais desenvolvidos, está também havendo progresso na área do
Direito, para maior adequação com os princípios do amor apresentados pelo
Evangelho?
O mundo está em plena
fase de transição, como sabemos. A área do Direito não fica imune a essa
perspectiva. O progresso é constante, ainda que tenhamos eventualmente alguns
tropeços. Com a chamada globalização, com as comunicações se difundindo em tempo
real em todo o planeta, é natural que haja a influência recíproca de valores e
culturas. É cada vez menor o número de países que ainda adotam a pena de morte,
que admitem a eutanásia, que legalizam o uso de entorpecentes. O que ainda nos
preocupa é o crescimento de vozes favoráveis à legalização do aborto, embora
também se perceba cada vez mais uma resistência das populações a essa tentativa
insana. No final, o amor vencerá, sem a menor dúvida.
No Brasil, o
amadurecimento das ideias de justiça já traz reflexos práticos na área
jurídica?
Sim, naturalmente. Um
exemplo concreto disso é a chamada "lei da ficha limpa", de iniciativa popular,
que foi aprovada pelo Congresso Nacional e recentemente declarada constitucional
pelo Supremo Tribunal Federal. É uma tendência natural que temos de evoluir,
para expurgar da atividade política aqueles que se mostraram corruptos,
desonestos, que malversaram o dinheiro público, que usaram do poder político
para se locupletarem. É a justiça humana se alinhando cada vez mais com as leis
morais evangélicas.
Como estudioso do
Espiritismo e formação acadêmica na área do Direito, o que mais lhe chama
atenção em toda a grandeza doutrinária-cultural do Espiritismo? O que mais me chama a
atenção é a lei de progresso. Essa me parece uma das mais sublimes e
consoladoras leis morais. É bastante significativo percebermos quanto essa lei,
conjugada à lei de causa e efeito, nos impele sempre para um estágio mais
avançado na senda evolutiva. Os que hoje são criminosos amanhã serão
inevitavelmente os lidadores das causas cristãs. A literatura espírita está
repleta de personagens que outrora agiram com desacerto e que, chamados à
consciência pelo arrependimento, pelo remorso, pela expiação e pela reparação
dos males, tornaram-se exemplos vivos de progresso moral, a exemplo de Saulo de
Tarso, Públio Lentulus e Judas Iscariotes. Esse é também o destino de cada um de
nós, cedo ou tarde, a depender apenas do nosso próprio
livre-arbítrio.
Que ligação podemos
fazer entre Jesus e o Direito?
Jesus, essa alma
sublime, nos legou inúmeros exemplos de justiça. Foi o advogado e o conciliador
na passagem da mulher adúltera; foi o justo juiz na passagem dos trabalhadores
da última hora; foi o legislador magnânimo ao traduzir toda a moral cristã nas
sentenças "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo" e
"fazei aos outros aquilo que gostaríeis que os outros lhes fizessem"; foi o
professor seguro quando narrou a parábola do bom samaritano.
Nas especializações
do Direito, qual a área que mais se destaca ou se identifica com o atual estágio
da humanidade e mesmo com os ensinos do Espiritismo?
Entendo que em todas
as áreas do Direito é possível aplicar os ensinos espíritas de forma concreta.
Todavia, por terem uma influência mais direta na vida, na liberdade e na paz dos
seres humanos, é possível destacar o Direito de Família, o Direito Penal, o
Direito das Execuções Penais e o da Infância e Juventude, como sendo as áreas em
que mais se pode inspirar nos ensinamentos cristãos em geral. Atualmente, o
Direito Ambiental também se revela bastante importante nesse processo de
evolução humana, por nos trazer limites à degradação da natureza e,
consequentemente, preservando a própria vida humana na Terra. Igualmente
relevante é a aplicação do conhecimento espírita nas Varas da Violência
Doméstica, naquilo que revela as causas das dissensões familiares. Não se pode
deixar de considerar, ainda, a enorme importância que o Direito Internacional
Público pode exercer na pacificação entre os povos e na democratização das
relações entre os Estados.
Algo mais que
gostaria de acrescentar?
Agradeço imensamente
pela cortesia de nos abrir esse espaço rico de divulgação da Doutrina Espírita.
A busca constante pelo aperfeiçoamento moral, especialmente no exercício da
magistratura, é o que tem movido as nossas ações. A atividade de julgar os atos
dos nossos semelhantes é árdua e complexa, mas com boa vontade e, sobretudo, com
disposição para enfrentar cada processo, cada desafio, com vistas à máxima
aproximação com a Justiça Divina, deve ser o móvel de nossa conduta
profissional, pois a quem mais é dado mais será cobrado. Focado nessa
consciência, é possível cumprir a tarefa que nos foi atribuída, reparando, por
certo, equívocos e quedas ocorridos no passado espiritual.