segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Recidiva obsessiva

O processo desobsessivo, que objetiva o reequilíbrio de mentes envolvidas em ódio e perseguição, por vezes mútuos, engloba procedimentos bem específicos para a sua eficácia, conforme explicita Allan Kardec, em O evangelho segundo o espiritismo:1 a substituição dos fluidos negativos permutados pelos protagonistas da sintonia mental deletéria, presentes no períspirito de ambos, por fluidos salutares, o que se faz pela prece, pelo passe e pela água fluidificada; o esclarecimento do desencarnado, efetivado no diálogo em sessão específica de intercâmbio espiritual; e pela adesão do encarnado ao propósito de retirar de sua personalidade o que se constitui na matriz, ou fator predisponente, da influência obsessiva. Sem isso, poderá envolver-se novamente com a obsessão, pelo retorno do obsessor, atraído magneticamente para junto de si; pela aproximação de um outro Espírito obsessor, que se afinize com os vícios, físicos ou morais, do encarnado; ou pela auto-obsessão, em função da fixação mental nos episódios que se desdobraram antes e durante a obsessão, resultado de um condicionamento ou hábito, que existia ou passou a existir.
A tese é tratada por André Luiz, ao estudar o vampirismo espiritual, como consequente obsessivo:
– Todavia, não poderíamos provocar a retirada dos vampiros inconscientes?
– perguntei.
– Os interessados
– explicou Alexandre, a sorrir
– forçariam, por sua vez, a volta deles. Já se fez a tentativa que você lembrou, no propósito de beneficiá-los, de modo indireto, mas a nossa irmã se declarou demasiadamente saudosa do companheiro e o nosso amigo afirmou, intimamente, sentir-se menos homem, levando humildade à conta de covardia e tomando o desapego aos impulsos inferiores por tédio destruidor. Tanto expediram reclamações mentais que as suas atividades interiores constituíram verdadeiras invocações, e, em vista do vigoroso magnetismo do desejo constantemente alimentado, agregaram-se-lhes, de novo, os companheiros infelizes.2 (Destaques nossos.)
A narrativa acima demonstra o fenômeno da recidiva obsessiva. A presença do desencarnado passou a sustentar morbidamente o ânimo dos encarnados, que não suportaram a ausência dos conviventes. Num, a atração do desencarnado ocorreu por depressão, manifestada na saudade enfermiça da companheira indócil à desencarnação do companheiro que, sem elevação espiritual, retornou ao ambiente doméstico em estado obsessivo; no outro, com o afastamento do obsessor, que o estimulava sexualmente, sentiu uma diminuição das forças da libido, fazendo-o “sentir-se menos homem”, levando-o a um “tédio destruidor”. Em ambos os casos, o desejo dos personagens determinou a atratividade do obsessor originário, que lhes assumiu o controle emocional com sensíveis reflexos orgânicos.
Estabelecida essa operação de ajuste, que os desencarnados e encarnados, comprometidos em aviltamento mútuo, realizam em franco automatismo, à maneira dos animais em absoluto primitivismo nas linhas da natureza, os verdugos comumente senhoreiam os neurônios do hipotálamo, acentuando a própria dominação sobre o feixe amielínico que o liga ao córtex frontal, controlando as estações sensíveis do centro coronário que aí se fixam para o governo das excitações, e produzem nas suas vítimas, quando contrariados em seus desígnios, inibições de funções viscerais diversas, mediante influência mecânica sobre o simpático e o parassimpático.3 (Destaques nossos.)
O circuito neuronal4 grifado participa do chamado sistema límbico, que controla o comportamento emocional e as forças motivacionais do indivíduo, tendo na posição chave o hipotálamo. A temperatura corporal, a absorção e difusão de fluidos orgânicos, o desejo de comer e beber, os batimentos cardíacos, pressão arterial (sistema cardiovascular), respiração e todas as demais funções vegetativas do corpo físico são determinadas pelo sistema mencionado. Especificamente, o hipotálamo é quem comanda, sem embargo de estruturas coadjuvantes, resumidamente: a secreção de hormônios endócrinos, pela influência na hipófise, as emoções, tais como: a raiva, a agressividade, a tranquilidade, reações de medo, de punição, o desejo sexual, a passividade, a aversão, bem como a dor, a memória, a aprendizagem etc. Portanto, uma estimulação ou excitação negativa dessas regiões do encéfalo, conforme o tempo e a intensidade, causará alterações orgânicas e comportamentais de graves consequências, além de estatuírem, conforme mencionado, condicionamentos ou hábitos, fontes da permanência ou recorrência do estado obsessivo:
Encontrando em sua vítima os condicionamentos, a predisposição e as defesas desguarnecidas, disso tudo se vale o obsessor para instalar a sua onda mental na mente da pessoa visada. […]
O perseguidor age persistentemente para que se efetue a ligação, a sintonia mental, enviando os seus pensamentos, numa repetição constante, hipnótica, à mente da vítima, que, incauta, invigilante, assimila-os e reflete- os, deixando-se dominar pelas ideias intrusas.
Kardec explica que há também um envolvimento fluídico: “Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele identifica com o do encarnado, ficando este afinal enlaçado por uma como teia e constrangido a proceder contra a sua vontade”.5
Desdobrando o estudo dos comprometimentos neurofisiológicos na obsessão, notadamente em casos de vampirizacão, André Luiz elucida o abalo em nível neuro-hormonal que passa a existir, pelo desajuste das funções do hipotálamo, utilizando-se de uma singular comparação:
Nessas condições, o obsessor ou parasita espiritual pode ser comparado, de certo modo, à Sacculina carcini, que, provida de órgãos perfeitamente diferenciados na fase de vida livre, enraíza-se, depois, nos tecidos do crustáceo hospedador, perdendo as características morfológicas primitivas, para converter-se em massa celular parasitária.3
A literatura especializada6 descreve que a larva da Sacullina ao penetrar o caranguejo, perde sua antiga forma, para tornar-se uma massa celular. Após esse processo, ramifica-se, absorvendo a nutrição do crustáceo, impedindo seu crescimento e muda. O parasita, desenvolvendo-se no ambiente orgânico do hospedeiro, altera-lhe a fisiologia e a anatomia, por meio de liberações hormonais, estabelecendo um comportamento impróprio no parasitado. Nessa fase, o hospedeiro vive para atender às necessidades do hóspede indesejado, que lhe sustém enquanto é útil aos seus intentos.
Na obsessão, o desencarnado encontrando ambiente, e, conforme o compromisso entre credor e devedor, mantém uma repetição infinita de pensamentos de ódio, vingança, remorso, egoísmo, medo, pânico, ansiedade, tristeza e outros, com imagens vivas, que retiram do encarnado a percepção da realidade, podendo culminar em suicídio, em enfermidades psiquiátricas variadas, em distonias orgânicas de etiologia indefinida e/ou atitudes comportamentais inadequadas, dada a alteração emocional e bioquímica provocada, o que caracteriza a fascinação e a subjugação. A partir de então, o obsessor é nutrido por energias fluídicas e, curiosamente, sustenta a vítima, enquanto for de seu interesse, formando uma simbiose mórbida de mentes, que mina toda a força psíquica do encarnado, causando- lhe um colapso no campo físico e mental, se não for interrompida.
Importa ao lidador da desobsessão compreender a complexidade do processo obsessivo e desobsessivo, para atuar devidamente. Identificada a obsessão, o encarnado deve ser auxiliado e orientado, com o fim de evitar que se aprofunde em estados emocionais negativos, que lhe causem danos difíceis de serem superados, renovando condicionamentos ou hábitos. O estudo do Evangelho de Jesus, sob a ótica da Doutrina Espírita, o acompanhamento pela equipe de atendimento espiritual da Casa Espírita, o envolvimento da família no processo desobsessivo e, conforme o caso, essencialmente o tratamento médico e psicológico especializado, são medidas de elevada importância:
[…] assim como existem medidas terapêuticas contra o parasitismo no mundo orgânico, qualquer criatura encontra, na aplicação viva do bem, eficiente remédio contra o parasitismo da alma. […]
O hospedeiro de influências inquietantes que, por suas aflições na existência carnal, pode avaliar da qualidade e extensão das próprias dívidas, precisará do próprio exemplo, no serviço do amor puro aos semelhantes, com educação e sublimação de si mesmo, porque só o exemplo é suficientemente forte para renovar e reajustar. […]
[…] pelo devotamento ao próximo e pela humildade realmente praticada e sentida, é possível valorizar nossa frase e santificar nossa prece, atraindo simpatias valiosas, com intervenções providenciais, em nosso favor.7
Com medidas de disciplina interior, caridade moral e material ao próximo, saneamento orgânico, pelos recursos fluídicos, o enfermo favorece a ação de Espíritos superiores a ele simpáticos, desarma o perseguidor espiritual, recompõe seu fluido vital, fortificando-se, e, mesmo que tenha ocorrido uma perturbação orgânica, a vontade firme de se reequilibrar dará novos comandos mentais aos sistemas neuronais afetados, abrindo a mente para a liberdade e a vida, nos dizeres do notável médico André Luiz.7
REFERÊNCIAS:
1 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. cap. 28, it. 81.
2 XAVIER, Francisco C. Missionários da luz. Pelo Espírito André Luiz. 45. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2015. cap. 5, p. 57.
3 ____. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. 27. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. pt. 1, cap. 15, it. Infecções fluídicas, p. 118 e 119, respectivamente.
4 GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. cap. 58, p. 731, 734 e 735.
5 SCHUBERT, Suely Caldas. Obsessão/ Desobsessão. 2. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2014. cap. 9, p. 61-62. Ver também: KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 53. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 14, it. 47.
6 STORER, Tracy Irwin et al. Zoologia geral. 6. ed. rev. e aumen. São Paulo: Nacional, 2003. cap. 25, p. 499.
7 XAVIER, Francisco C. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. 27. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. pt. 1, cap. 15, Terapêuticas do parasitismo da alma. p. 121-122.

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